sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Reavivando o blog

Oi pessoal, eu sei que andei sumida, mas tanta coisa aconteceu. Enfim, acho que é hora de postar o texto que mencionei no publicação anterior. Ainda não está perfeito, mas transparece melhor alguns sentimentos em relação a perda. Como disse, muita história se desenrolou desde a última publicação. Voltei a morar em Santa Maria, por exemplo, mas quando produzi as linhas ai debaixo ainda estava pelas bandas do Paraná. Acho que a redação diz tudo que quero, então vou partir. Espero que gostem!

As vontades do senhor tempo
Tudo se conta pelo tempo. Sejam em horas, dias, meses ou anos. A maior ignorância da raça humana é pensar que sempre terá mais tempo, pra tudo. Às vezes mesmo em situações esporádicas e de raras repetições. Quer um exemplo? Natal de 2010. Dezoito anos sem um encontro entre nosso progenitor e os três filhos. Passamos as festas animados com a reunião. Porém, não existe uma foto de nós quatro juntos. As poucas que temos são de dois ou um dos rebentos com o pai, e estas, ainda, ou estão fora de foco, ou são de celular (com resolução baixa, horrível). Isso porque imaginamos que teríamos tempo de fazer o registro de todos em outra situação. Bem, perdemos a chance, ele faleceu 14 de agosto de 2011. Data do aniversário de dois anos de meu sobrinho. O único neto que ele conheceu. Não quero ser vitimizada, nem usar de sensacionalismos, mas se me permitem conto um pouca dessa história a vocês.
Meus pais divorciaram-se quando eu era pequena, mas nem por isso deixei de manter contato com o pai. Nossa relação era muito próxima, mas também conturbada. Entenda meu lado, ele era alcoólatra – um dos motivos da separação – e tinha problemas em cumprir promessas. Aos doze anos parei de falar com ele. Sem brigas ou discussões. Apenas uma grande mágoa. Foi após, prestem atenção na ironia, um natal. Ele quebrou seu juramento. Fez uma menina esperar o dia inteiro pelo pai que não apareceu. Os anos seguintes foram de silêncio. Por ambas as partes. Consegui a informação de que ele havia saído de Santa Maria, Rio Grande do Sul, para Maringá, Paraná, por meu irmão – residente da cidade destino. As poucas ocasiões em que conversamos foi ao acaso, quando eu telefonava para saber de meus avós.
A certeza de que estava totalmente a parte de minha figura paterna ocorreu em uma destas ligações. Rápida descrição. Uma pessoa ríspida atende: “Alô!”. Eu do outro lado: “Oi, tudo bem? Quem fala?”, enquanto isso forçava a memória para reconhecer a voz, talvez um dos meus tios. “Quer falar com quem?”. Assustada: “Olintho Rodrigues, por favor”. A voz se afasta do fone, “Pai, pro senhor”. Alguns ruídos, o telefone é passado para meu avô. “Oi”, “Oi vô tudo bem com o senhor? É a Joyce!”. “Fiiia! Tudo bem sim, e você?”. “Bem. Benção vô”, “Deus te abençoe minha filha”. Não aguentei e tive de perguntar, era atípico alguém na casa de meus avôs atender telefonemas de maneira tão bruta. “Quem atendeu o telefone?”, “O João”. Em segundos meu cérebro conectou cada parte. Um homem, naquela residência, chamou meu vô de pai e que se chama João? Meu pai! E nossas conversas eram deste tipo. Sem mais a acrescentar.
Os anos passaram, a conscientização estabeleceu e ele buscou tratamento para a doença. Hoje tenho orgulho de dizer: ficou os últimos seis anos sóbrio. Mas dentre estes retornei minha afinidade paternal há apenas dois. Meu orgulho e rancores internos não me permitiam buscá-lo, ou nem mesmo aceitá-lo quando a procura vinha por parte dele. Soube da sobriedade também por meio de meu irmão. Um grande apoiador para que eu voltasse a falar com o pai. Pelo menos pedia que tentasse. Mas não! A teimosia não consentia. Foi uma situação porventura interessante na qual retornamos a ser, de fato, pai e filha.
No ônibus, regressando da faculdade, uma noite qualquer em outubro de 2009 lembrei dos familiares paranaenses. Desde julho não recebia notícias dos avós, tios, irmão e do pai – mesmo que não admitisse a mim mesma, queria saber dele. Em casa pensei em ligar, mas já passava das 23h. Desisti da ideia e fui para o computador fazer trabalhos acadêmicos. O telefone de casa tocou. Corri atender para que não acordasse meus pais (mãe e paie de coração). A voz do outro lado da linha me aqueceu. Tomada por uma alegria estranha conversei com ele. João. Meu pai. Ao desligar não conseguia compreender. Assim, aos poucos retomei a relação com ele.
Conforme meu caminho foi se direcionando para a formatura comecei a preparar minha mãe e meu paie para os planos que tracei. Sair de casa, da cidade natal e buscar um novo horizonte. Nestes momentos fantasiamos, como em fábulas infantis. O futuro emprego, o lar e a nova vida, são vitórias majestosas. Visualizamos uma era cheia de realizações. Não recordamos das vivencias até este ponto. As dificuldades enfrentadas, os problemas, a competição do mercado de trabalho. A realidade. Lembro de comentar com meu pai sobre a possibilidade de morarmos juntos por um tempo, para eu me aproximar mais da parte paranaense da família. Ele amou a ideia, e em segredo procurou casa para alugar – só soube disso muito depois.
Um telefonema de um tio no início de setembro me informou do estado de meu progenitor, hospitalizado, por doença desconhecida. Sem pensar muito fiz as malas e sai em busca de passagem. Não dei tchau aos amigos, nem consegui explicar o que acontecia. Abracei a mãe e o paie com força, parti. Cheguei em Maringá no dia seguinte. Obtive cinco dias com ele. Agora, sem querer e sem planos exatos resido na cidade e no quarto que era dele. Sinto muitas saudades das pessoas que deixei em Santa Maria. E estar aqui (Maringá), me faz pensar cada vez mais nos anos em que me silenciei. Porém, por algum motivo, na viagem em que cá estive para as festas de fim de ano 2010/2011, meu pai e eu conversamos sobre a morte. A opinião dele: “As pessoas quando morrem são santificadas, e não é assim que as coisas funcionam. Temos que lembrar delas com carinho, mas lembrar também dos erros que cometeram e usar como exemplo em nossas vidas”. Parece que o tempo me enganou, e mudou meus planos. Mas ainda assim fez com que meu pai deixasse um acalanto a mim, mesmo sem saber.